Cannabis como Sacramento

Credito - media drum world

Um Contexto Rastafári

Bob Marley se tornou um ícone mundial da música e cultura jamaicana. Em particular, ele é frequentemente retratado com o que os jamaicanos chamam de spliff. Essa iconografia se tornou sinônimo da Jamaica no cenário internacional, representando uma oportunidade imensa.

Em 2015, após anos de debates acirrados, a Jamaica descriminalizou pequenas quantidades de maconha. Pessoas que antes acumulavam antecedentes criminais por serem flagradas com um spliff agora podiam andar livremente. A posse de pequenas quantidades foi reduzida a uma infração leve, e os indivíduos passaram a poder cultivar até cinco plantas em casa. Avançando para os dias de hoje, a ilha conta com várias dispensários e fazendas operando dentro de um mercado legal. A Autoridade de Licenciamento de Cannabis (Cannabis Licensing Authority - CLA) é um dos principais órgãos reguladores desse novo regime de cannabis na Jamaica.

Além dessas mudanças na Lei de Drogas Perigosas, os rastafáris da Jamaica também receberam direitos sacramentaisrelacionados ao uso da cannabis. No entanto, a revisão da lei está longe de ser perfeita, e suas lacunas geraram diversas críticas. A barreira de entrada para operar nesse novo mercado legal é regulada pelo CLA e exige taxas significativas para iniciar qualquer atividade.

Os rastafáris, por exemplo, receberam direitos sacramentais, mas não têm permissão para cultivar ou vender cannabis. Essa situação não apenas representa uma injustiça, mas também um desperdício de uma grande oportunidade econômica e cultural. Segundo o Dr. Machel Emanuel, do Departamento de Ciências da Vida da Universidade das Índias Ocidentais(University of the West Indies, Mona), essa é uma oportunidade que a Jamaica já soube aproveitar no passado.

Na década de 1940, Leonard Percival Howell, um dos fundadores do Movimento Rastafári, estabeleceu a primeira comuna rastafári do hemisfério ocidental, onde a maconha era a principal cultura comercial. Essa plantação sustentava uma grande comunidade, e relatos indicam que a cannabis de Pinnacle era exportada para Winston Churchill, na Inglaterra. Também se diz que a cannabis jamaicana foi utilizada pela Rainha da Inglaterra para aliviar dores menstruais.

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Oportunidade Econômica Baseada na Poderosa Imagem Rastafári

O que poderia ser mais poderoso do que uma oportunidade econômica baseada nessa forte imagem rastafári? Imagine uma marca global de cannabis rastafári e o potencial de um negócio assim nos dias de hoje.

"Agora temos a oportunidade de comercializar essa mercadoria sob uma conotação diferente do que o mundo a comercializa. Em vez de apenas médica ou recreativa, podemos promover esse produto com base em valores morais e éticos. Ou seja, quem está cultivando, como é cultivado, que tipo de insumos estão sendo usados, é cultivado ao sol? Assim, você está criando um produto que se alinha às práticas morais e espirituais do estilo de vida rastafári."

Atualmente, mais e mais pessoas querem saber se a origem dos produtos e serviços que consomem é ética e sustentável. Esse interesse também se aplica à cannabis. Assim como a comida, a cannabis é uma fonte de nutrição, seja mental ou espiritual, dependendo de quem você perguntar. Como resultado, é natural que os usuários se interessem por sua procedência. Esse tipo de curiosidade e compromisso com valores éticos é uma característica essencial do consumidor de cannabis moderno.

Para o povo rastafári, no entanto, essas práticas de garantia de qualidade fazem parte da tradição há muito tempo. Para muitos rastas, a cannabis é parte de sua iniciação na fé.

"Sacramento vem da palavra sagrado, o que significa que estamos falando sobre Deus, conexão com a fonte e com a parte superior de si mesmo. Para os rastafáris, essencialmente, é isso." — Kareece Campbell.

Campbell é produtora de eventos voltados ao bem-estar e consultora na Rastafari Indigenous Village, em Montego Bay, Jamaica, onde convive de perto com a comunidade.

"Quando converso com alguns dos Incients (os anciãos), eles me mostram que a venda da cannabis só se tornou um meio de sustento porque foram marginalizados e não tinham outra forma de ganhar dinheiro. Não havia muitas opções para alimentar suas famílias." — Kareece Campbell.

Muitos compartilham dessa visão, incluindo Campbell, que acredita que, dado esse histórico de opressão, os rastafáris estão sendo deixados de lado em favor de uma indústria baseada em dispensários que trata a planta apenas como uma droga. Conforme a nova indústria da cannabis evolui e as lacunas na legislação começam a ser preenchidas, a questão sobre o papel dos rastafáris nesse setor continua em aberto.

Dependendo de quanto você conhece sobre Bob Marley, pode ou não saber que sua strain favorita de cannabis era Lamb’s Bread. Dizem que essa variedade foi extinta na ilha devido à introdução de plantas de cannabis não equatoriais, que têm um tempo de floração mais curto. Embora a Lamb’s Bread e outras variedades do tipo levassem mais tempo para crescer, era uma das preferidas entre os rastafáris, o que explica seu nome.

O salvador da fé rastafári, Haile Selassie, imperador da Etiópia, era simbolizado, assim como Cristo, como o cordeiro(lamb). Mas uma grande parte do nome também vem da reverência que os rastas tinham pela planta ao cultivá-la e comercializá-la—um respeito que se traduzia em um produto de qualidade superior. Muitos acreditam que algumas cepas ainda existem escondidas em pontos isolados da ilha.

Para os rastafáris, a cannabis é mais do que recreação—é parte da fé e uma musa para a meditação com o Criador. Não é uma planta que eles adoram, mas, por fazer parte de seu trabalho espiritual, é tratada com um cuidado que não pode ser replicado. Um cuidado que foi cultivado ao longo de gerações de tradição horticultural, passado de família para família. Um cuidado que não pode ser encontrado na cannabis recreativa ou medicinal.

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